30 de ago. de 2010

Uma Mulher de Futuro

Sim, eu sou capaz de matar uma barata sozinha. Descobri isso ontem a noite.  Esparramada no carpete, vendo besteira na tevê, quando ouço o inconfundível som da besta fera.

Uma das características fundamentais das mulheres é nossa incrível capacidade de ouvir o barulho de uma barata. Um som que não sou capaz de reproduzir, talvez depois de uma dúzia de tequila, mas não é o caso. 

Como eu ia dizendo, estava lá, tranqüilamente vendo tevê, quando ouço. Minhas orelhas ficaram em pé, meus sentidos aguçados, o olhar percorrendo todo o recinto. 

Então a vi. Encostada no rodapé, apenas esperando a certeza do ambiente despreparado para garantir seu ataque. Levantei, olhando fixamente a bicha, enquanto uma das mãos tateava em busca da redentora sandália de dedos.

Um silêncio de faroeste nos cercava, eu ali, parada, havaianas em punho, ela do outro lado, estática colada ao rodapé. Mentalmente calculei a probabilidade de acertá-la, quase nenhuma, era necessário uma aproximação. 

Dei o primeiro passo. Como se me desafiasse, ela também. Pensei, se errar todo o futuro estará condenado, o mal vencerá definitivamente. Eu era a heroína da saga e não podia haver nenhum tipo de hesitação. Respirei fundo e joguei a sandália, que foi em cheio sobre o corpo da vilã.

Não havia espaço para piedade naquele momento, por isso, corri e peguei o inseticida e em um movimento rápido e indolor, pelo menos para mim, espirrei na terrível monstro. 

Ela ainda estrebuchava sob a sandália e tentando resistir, ensaiou novos passos, tonta com o veneno.

Então, num ato de coragem imensa, terminei o serviço, esmagando-a com a havaiana. 

28 de ago. de 2010

O 1º Cupcake a gente não esquece! (PAP)


Era uma vez uma boneca que adorava cupcake
Adorava tanto que para saciar a pequena, tive que abrir uma fábrica
O 1º passo foi selecionar o material:
Feltro laranja (10 X 10 cm)
Tecido da cor desejada
Sianinhas, passa-maria e acessórios cutes
Tecido vermelho para fazer a cereja
Plumante siliconado
e, na falta de forminha, o fundo de uma garrafa de água mineral.
2º Passo: Costurar no sentido da altura o feltro
3º Passo: Vestir o fundo da garrafa com o feltro
4º Passo: Alinhavar todo o fundo do feltro e puxar, fazendo um grande fuxicão
5º Passo: Com o auxílio da cola quente,  ir dobrando o feltro,para dentro, até encapar totalmente o fundo.
6º Passo: Com o auxílio dessas réguas super-precisas (né @FernandaReali?
Cotar um círculo de aproximadamente 25 cm;
7º Passo: Fazer um fuxicão.
8º Passo: Encher o fuxicão com o plumante siliconado (pode usar retalhos de acrylon) 
até ficar bem cheio e bem redondinho.
9º Passo: Fechar o fuxico costurando a abertura no fundo (se acaso existir) com pontos comuns.
10º Passo: Embora não seja imprescindível, se quiser colocar mais um pouco de plumante na nossa forminha.
11º Passo: Enfiar a agulha no fundo do fuxicão (ui!) e transpassá-lo exatamente no meio
12º Passo: De uma laçada para um lado, transpassando a agulha 
sempre do fundo (ui!) para o meio da parte superior
13º Passo: Faça o mesmo até dividir o fuxicão em 6 gomos.
14º Passo: Finalize enfiando a agulha no meio da parte superior para o fundo, 
puxe (com cuidado, para não arrebentar a linha), até fazer uma cavidade na parte superior.
15º Com o auxílio da cola quente, coloque o fuxicão sobre a forminha.
16º Passo: Também com o auxílio da cola quente, cole a passa maria entre o fuxicão e a forminha.
17º Passo: Enfeite a gosto. Com sianinhas, miçangas ou apliques.
18º Passo: Corte no tecido vermelho, um círculo de 3,5 cm de diâmetro
19º Passo: Faça um novo fuxico
20º Passo: Encha-o com o plumante até ficar uma bolinha e feche.
21º Passo: Com o auxílio da agulha transpasse o fuxico no meio, e puxe até fazer uma pequena cavidade.
22º Passo: Cole-o sobre o fuxico maior.
23º Passo: Para ficar ainda mais legal, cole sobre a cereja, uma miçanga ou uma folha feita de feltro - no caso, optei por uma bolinha prata.
Agora nossa bonequinha louca por cupcakes ficou feliz, afinal, terá sempre um a disposição!
E aproveitem e conheçam a BICHOS DE PANO! 
Minha loja virtual, onde você sempre encontra uma novidade.
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Observação: Perdoem as fotos fora de foco, a máquina é maravilhosa, o problema 
foi a fotografa inventar de fazer um PAP às 3 horas da manhã.

26 de ago. de 2010

Verdades Imperfeitas

Quando acabou de falar e o silêncio se interpôs entre eles, sentiu pela primeira vez uma estranha sensação de alivio. Era como se todo o peso que trazia no peito todos aqueles anos, finalmente tivesse se dissipado. Um peso tão repleto de medo e culpa, que agora já não existia mais.

E, bem, deles, ele não esperava nada. Também era uma sensação nova. Não saber o que esperar. Mas, o silêncio libertador inicial, deu lugar a outro, tão carregado de negações, que ali ele soube, que não haveria de ser diferente para ele.

Foi o pai que o mandou embora. Ele, como fazia todas as vezes, quando se indispunha com figura paterna, olhou para mãe, esperando, mais uma vez, que ela saísse em sua defesa.

Ela chorava. Um choro calado e tão profundo, como se alguém tivesse morrido. E, no final, não era sua morte o que ela chorava?

Não esperou a segunda ordem paterna.

- Seu “amigo” está te esperando? – A mãe perguntou, antes que ele abrisse a porta.

Nesses anos todos, o que mais doía sempre, era essa aspa na palavra amigo. Todas as vezes, tinha a sensação de que o interlocutor, faria com os dedinhos, uma aspa fictícia, o símbolo do preconceito, embutido em um simples gesto.

- Está. Meu – virou-se para eles e não resistiu,  desenhou com os dedos uma aspa imaginária – amigo, está lá fora.

Ainda esperou, qualquer coisa que não aconteceu, e partiu.

Entrou em silêncio no carro,

- Já vi que não foi nada bem.
- Alguma vez é? Sabe, quando tinha uns nove anos, eu jogava futebol. Jogava mesmo, fazia parte do time da escola e cheguei a participar de um intercolegial. E teve um jogo, final de campeonato.  Acho que foi a primeira vez que meu pai foi em jogo meu.

De repente a bola estava nos meus pés e eu sai igual louco, driblei, sei lá, uns quatro meninos e então, era só eu, a bola e o goleiro.  chutei e ... errei.  O engraçado, que até hoje essa lembrança vem em câmera lenta, exatamente como naquele momento. Lembro do grito de gooool, se dissolvendo na garganta coletiva dos que assistiam o jogo. E, principalmene, lembro dos meus pais e do olhar que encontrei. Um olhar diz muita coisa, não é? E aquele olhar disse tanto para mim, naquele momento...

- E...?
- Foi exatamente o olhar de hoje. Exatamente... E, sabe o que é mais trágico, nisso tudo? Aquele jogo, já estava perdido. Nós estávamos perdendo de 3 a 0 e faltava o quê? Uns 5 minutos pro final do tempo. Não importava, de verdade, se eu fizesse ou não aquele gol...
- Sabe do que você precisa? – perguntou Paulo, pegando uma garrafa térmica no fundo do carro. – Disso aqui.
- O que é isso?
- Chocolate quente... Sabe, querido, eu contei pros meus pais, quando completei 17 anos.  E, bem, você sabe como é... Mas, naquele dia, quando cruzei a porta, e fazia um frio do cão. Sabe do que senti mais falta? Do chocolate quente, que minha mãe trazia, todas as vezes que eu ficava triste. Durante todos aqueles anos, em que ela se recusou a me aceitar, todas as vezes em que eu ia visitá-los e saia me sentindo um merda... Foi disso aqui que senti falta.... -  Termina a frase quase num sussurro.

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Update: Texto inspirado neste post aqui ó: Luto e Negação da querida @LilahLeitora

24 de ago. de 2010

Por hoje é só

Por que às vezes tomar a decisão certa é quase igual ao amputar de um membro. E, após tudo se concretizar, doerá latejada ainda por um bom tempo.
Update: Eis que a decisão difícil ainda não pode ser esquecida, mas por enquanto, foi adiada, mais uma vez. E meu coração está quase leve..

23 de ago. de 2010

O Estranho Causo do Doce de Lençol

A menina não passava dos cinco anos. A irmã, adolescente, naquela idade intermediária entre o que saco! e o me deixa!. As protagonistas da nossa história, que se passa assim, num tempo, onde máquina de lavar era privilégio de poucos e que encardido se resolvia na água fervente no fogão. Lugar onde a adolescente se encontrava, mexendo uma tina com lençóis encardidos.

A pequena chegou, viu aquela cena e não entendendo, perguntou:

- Que cê tá fazendo, maninha?

Claro, que a irmã, iria ignorar completamente. Mas, qual o quê, criança quando quer alguma coisa, não desiste fácil, e essa era bem tinhosa.

- Que é isso no fogão, maninha?

Bem, já falei que a maior estava na adolescência e todo adolescente tem um pé no inferno. Só isso para justificar a explicação dada:

- Tô cozinhando doce de lençol.
- Doce de lençol? – espantou-se a pequenina. – mas lençol não se come!
- Quem disse? Como sim, eu gosto muito! Tem gosto de pudim.
- É?! – o olho da menininha ficando maior de espanto e gula. – Eu quero!
- A não sei se vai dar não, tô fazendo pouquinho...
- Ah, maninha, me dá um pouco de doce de lençol! Só um poquinho...
- Você vai se comportar? Vai arrumar seus brinquedos? – adolescente não tem coração, lembre-se sempre.. – Se você se comportar, eu te dou um pedaço.

A criança abre um sorriso maravilhoso, como só as crianças felizes podem dar e corre para o quarto, arrumar os brinquedos.

Enquanto isso, já era hora de tirar o lençol da tina e estendê-lo. A adolescente está terminando a tarefa, quando a menor chega. Esbaforida e apreensiva ao não ver mais a panela sobre o fogão.

- Maninha, cadê o doce?
- Que doce?
- O doce de lençol que você tava fazendo.
- Que mane doce de lençol, menina! Não tá vendo que ele está na corda?

É imediato, a sobrancelha se junta, a voz se embarga e com os olhos marejados a menina implora:

- Maninha, você falou que ia me dar. Você cumeu tudo! – e abre um berreiro de acordar defunto. – Vo..cê... Vo...cê cumeu tudo!

Fala meio chorando, meio miando... E chora. Tanto, que a irmã tenta consolar e explicar a brincadeira. Mas, não adianta. O choro invade a tarde e a noitinha. Quando a mãe chega e tenta entender o acontecido. E, é claro, ri, não do choro da pequena, mas do causo do doce de lençol.

E até hoje, quando a família se reúne, é inevitável, a lembrança da irmã mais velha sobre o doce, principalmente para deixar a irmã mais nova se mordendo de vergonha.

21 de ago. de 2010

Compartilhar é tudo de bom

A partir de hoje, todo final de semana, vou deixar aqui, os meus favoritos da semana,  links para os posts que me chamaram atenção nas minhas andanças por ai. Só deixo claro que os critérios para a escolha, são extremamente pessoais.  Linkarei o que gostei de ler, independente de qualquer coisa. Não é troca de links, nem promocionais de nada. Gostei, linkei, ok? 

E se você tiver alguma sugestão de post ou de blogs, deixa ali nos meus comentários que vou lá ver.

19 de ago. de 2010

My Reality

Desde nova sempre tive a certeza de que fazia parte de um reality show. Até exacerbei um pouco e escrevi sobre o tema neste texto.

Mas essa sensação, não é síndrome megalomaníaca ou por me achar mais ou menos que ninguém. No final, acho que todos nós somos um grande reality dirigido e assistidos por deuses, que se divertem  com as provas de resistência que temos que enfrentar.

Teve um tempo que meu reality era no espírito de uma sitcom americana, só isso para justificar o presente de casamento (um microondas azul, lindo, mas completamente infestado de baratinhas francesas – acharam que era liberdade literária, a história do conto? Não, amigos, isso realmente aconteceu!)

E quando fui à Vitória e no dia de comprar a passagem de volta, os bancos entraram em greve? E não era greve meia boca, não, greve de verdade, portas fechadas por piquetes violentos. Durante uma semana fiquei presa no Espírito Santo, sem dinheiro e sem ter como voltar para casa. Quando cheguei ao extremo de comer pão de forma com açúcar, por que não tinha grana para comida, encarei junto a uma turista acidental que nem eu, uma carona de caminhão. Vai dizer que isso não é roteiro de sitcom?

Teve também o dia em que fui pegar o cartão de banco e a gerente, no caminho entre a mesa de atendimento e o arquivo onde estava o cartão, perdeu o mesmo? Sério, essas coisas são feitas para divertir alguém, não dá para ser de verdade!

São tantas as histórias, o roterista que me dirige gosta de pegadinhas, deve ser fã daquelas do mallandro e volta e meia, resolve implementar algumas delas na minha vida.

Mas, esse ano, eu acho que a direção do meu reality mudou. Deixou de ser sitcom e entrou pesado nos realitys de sobrevivência, uma mistura de No Limite com Surviver, eu creio. Com uma pitada de BBB, é claro.

A coisa toda funciona assim: as dificuldades são postas e a gente rebola para se ajeitar. Tira um emprego aqui, um eletrodoméstico quebrado acolá, coloca uma pá de dívidas, (algumas nem nossas) como suplemento, mas a gente por aqui, tem raça e segura o tranco.

O diretor, que desconfio que deve ser parente do mister bonés, quer sangue. E trata de colocar mais provas de resistências no caminho. A última foi a máquina de costura quebrar, minha atual fonte de sobrevivência.  Confesso que quase capitulei. Mas daí, pensei, quer saber, é muito pouco provável que eu consiga um milhão e meio ao final desse show, então sequei as lágrimas e tratei de fazer cabelo e unhas, sabe como é, sempre tem a playboy. 

17 de ago. de 2010

Uma História de Fantasma

Por Patricia Daltro
- Mãe, a mulher loira está lá no banheiro.
- Heim? mulher loira?
- É, mãe! a assombração. Fantasma mesmo, sabe?
- Eu não acredito. Você fica lendo essas coisas na internet e agora não me deixa dormir. Vai deitar vai.
- Mas, eu quero fazer xixi...
- Então vá no banheiro e faça.
- Mas... é a mulher loira?
- Olha querido, mamãe teve um dia do cão. Muito trabalho, chefe pegando no pé... amanhã tenho reunião às 8:30 e são duas horas da manhã!
-...
- Você não vai chorar, vai? Ah, meu bem não faz assim... Mulher loira não existe, amor... é fruto da sua imaginação. Você pode ir no banheiro sossegado.
- Tem certeza?
- Tenho, querido. Agora deixa a mamãe dormir, por favor...
- Tá.

*******************

- Mãe...
- O que foi agora, Rafael?
- É que a mulher loira quer falar com você. Ela disse que existe sim, e que você é uma mãe muito má por que me deixou ir sozinho no banheiro...
- Rafael, você fez o seu xixi?
- Fiz... no corredor...
- Eu não acredito! O que eu fiz para merecer isso! Faz uma coisa, deita aqui na cama com a mamãe e vamos dormir.

**********************

- Aonde você vai?
- Ao banheiro, filho. Essa conversa toda de xixi, acabou me dando vontade.
- Cuidado com a mulher loira, tá?
- Eu já falei, Rafael, mulher loira não existe!
**********************
- A senhora é a mãe do Rafael?
- E quem é você?
- Eu sou a mulher loira, que você disse que não existia.
- Loira? Querida, você está mais para multicor. Que raízes pretas horrorosas!
- Você não está com medo de mim?
- Medo? Não, na verdade estou furiosa, você fez meu filho mijar no corredor! Afinal de contas, o que você está querendo por aqui? Seu negócio não é ficar assombrando colégio público?
- Era... mas com essa moda de traficante invadir colégio, ninguém mais tem medo de mim. O que é um fantasma quando se tem um AR15?
- Tem razão... mas eu acho que esse seu visual meio "riponga" também não deve estar ajudando muito. Esse cabelo desbotado, essa modelito horroroso... Ah, querida, você está meio caída!
- Você acha? Eu... eu... eu sempre usei essa roupa... desde que era uma fantasma iniciante.
- Então tá explicado! Isso tem quanto tempo? Nossa, quando eu era criança já ouvia falar em você! Não que isso tenha muitos anos... Afinal de contas, eu ainda não sou uma balzaquiana...
- Ainda não é? Sei... Mas o que vou fazer? Só sei ficar assombrando por ai... Se eu não conseguir mais fazer isso, vou ter que me aposentar... E você não sabe como é horrível aquele asilo para fantasmas...
- Ai... sabe de uma coisa, já vi que não vou conseguir dormir mesmo, acho que posso te ajudar. Deixa ver, precisamos pintar esse cabelo, arrumar umas roupas novas e arg! que unhas são essas?! A quanto tempo você não passa um esmalte nelas?
- Eu... eu não achava necessário...
- Esse é seu mal. Querida, se você não se cuida, ninguém presta atenção em você. O negócio agora é ser fashion, poderosa, entendeu?
- Mais ou menos... Acho que não vou conseguir ser essas coisas todas, não...
- Deixa comigo!

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- Pronto, agora pode se olhar no espelho.
- Você pintou meu cabelo de ruivo?!
- Claro, aquele loiro estava horrível, te envelhecia horrores.
- Mas... mas... EU SOU A TEMIDA MULHER LOIRA E NÂO RUIVA!
- Ei! Pare de gritar! Eu te fiz um favor! Você ficou uma gata ruiva. Nem parece ter a idade que tem! Além do mais. Está na hora de você se reciclar. Chega dessa coisa de ficar assustando criança em banheiro público! Ah, e quer saber? Eu estou muito cansada desse lenga-lenga. Vou dormir e você trate de ir embora daqui!
- Mas... mas...
- Nem mais, nem meio mais! Amanhã de manhã eu não quero ver vestígio de sua presença, ouviu bem?

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- Mulher loira? mulher loira?
- Xiiii! Fala baixo, senão sua mãe vai acordar e brigar comigo de novo!
- Ela brigou com você também, não é? Ela faz isso com todo mundo...
- Coitadinho de você, merecia uma mãe melhor...
- Nãaaao, ela é assim, mas é uma mãe muito legal. De vez em quando até vai passear comigo...
- Sei...
- E então, o que você vai fazer?
- Sei lá, acho que voltar para os banheiros dos colégios...
- Mas, e esse cabelo ruivo? Não dá mais para ser a mulher loira...
- Eu sei... Estou pensando em criar um novo mito... A Popozuda Fantasma, o que acha? Uma funkeira que morreu depois de ouvir música clássica e volta para aterrorizar geral cantando "Eguinha Pocotó" nos banheiros?

14 de ago. de 2010

Pequenos Amores

por Patricia Daltro

Viagem de volta. Excursão de colégio. Posso sentar ao seu lado? Claro. Olhar grudado na cadeira da frente. Amigos. Troca de confidências. Segura sua mão. Carinho com a ponta dos dedos. Repete o gesto. Olhar na paisagem. Sente o movimento suave percorrendo a palma de sua mão. Abre mais. 

Um calor gostoso. Fim de verão. O sol se pondo. Falam, palavras soltas, fingem não perceber o que acontece com os dedos. Silenciosos, percorrem a curva do antebraço. Arrepio. Ajeita-se na cadeira. Ele também. Entrelaçam-se os dedos. A outra mão que chega. Acaricia. Lentamente os dedos se soltam. A mão firme. Maior que a dela. Sente-se engolfada. Protegida. Quiromante. Sua linha da vida é longa. A sua interrompe-se aqui. Será que vou morrer cedo? Sua linha do amor tem um monte de ramificações. Acho que vou ser um canalha. Riem. Melodia engolida pela bagunça dos outros alunos. Quer bala? Quero. Soltam-se as mãos. Frio. Arrepio na espinha. Pega a bala. Olhar na paisagem. Vai lá pra frente? Acho que vou brincar um pouco com o pessoal. Tá. 

Cara de quem não liga. A mão sozinha ali. Segura com a outra. Cruza os braços, finge dormir. Posso? Ué, já voltou? Tá chato. Me dá sua mão. Como? Sua mão. Braço cruzado - hesita. Olha no olho. Estende o braço. Acolhida. Sua mão é bem maior que a minha. É. A sua é pequena. Dedos de boneca. Como? Seus dedos... parecem daquelas bonecas. Tá. Cruzam os dedos, descruzam. Ele percorre caminhos. Ela treme. A viagem acaba, cada um para o seu lado. Você me liga? Ligo. Amigos(?)... Ela ainda pensa, vendo-o partir.

12 de ago. de 2010

Festa Infantil

Começa cedo, por volta das quatro da tarde, mas nunca tem hora para acabar. E não adianta nada falar que é uma festa infantil, porque vêm todos os adultos da família da criança convidada e mais os amigos mais próximos.
Você já está esgotada depois de pelo menos três noites sem dormir, enrolando brigadeiros e cajuzinhos, fazendo decoração, limpando play e etc. Descobre as três da tarde que esqueceram de encomendar o gelo. Para as bebidas, claro, que não podia ter só refrigerante.
Ás seis a festa está lotada. De pessoas que você nem imagina quem são. Às oito horas seu maxilar começa a doer terrivelmente devido ao esforço de sorrir o tempo inteiro. Seus pés estão em brasa e acha que perdeu os braços em algum momento, possivelmente quando teve que ficar retirando a bebida do gelo. Sua cabeça é um tambor no meio de uma festa africana.
Ah, sim, tem o som. Uma mistura qualquer de funk, rock, infantil e outros ritmos que fazem as crianças pularem o tempo inteiro.
O chão, uma mistura de pipoca, cachorro-quente e vômito. Decidida a encerrar a tortura, resolve cortar o bolo. Mas, é claro, sua mãe protesta, por que a tia Leonor ainda não chegou, e não adianta dizer que já são quase nove horas, e aquilo é uma festa de crianças.
Dez horas toma a decisão e chamo todo mundo para cantar parabéns. A mesa, linda, que teve tanto trabalho para fazer está parcialmente destruída, o bolo, com marcas de dedos, inclusive um que pelo tamanho é de um adulto, parece um queijo suíço.
Os parabéns demoram quase vinte minutos, não sem antes a aniversariante resolver cuspir na vela. – para apagar, mamãe, ela diz. O bolo é devidamente distribuído. E acha que finalmente a festa acabou.
- Mas, ainda tem bebida! Informação gritada pelo seu ex-marido. Senha para que os pais que um dia pensaram ir embora, voltem a se sentar e continuar de onde pararam.
Como boa anfitriã, ainda consegue reunir forças para percorrer o salão, mesmo sabendo que suas pernas nunca mais irão te obedecer no futuro.
Onze horas, senta, finalmente, sentindo o latejar das pernas e pensando em quantas varizes terão estourado essa noite.
Meia-noite e seu ex está atracado com uma loura, que você descobre que a sua vizinha de porta.
A festa ainda está cheia. De crianças dormindo de qualquer maneira sobre as mesas, enquanto seus pais bêbados dançam a macarena.
Duas horas da manhã o último casal se despede. Tonta de sono e de álcool começa a arrumar aquele inferno de bolo, bola, refrigerante e vômitos. Às três está tudo pronto e finalmente irá dormir. Entra em casa, e encontra um menino moreno e desconhecido no sofá.
Acorda as filhas e pergunta sobre o menino, obtendo a mesma resposta, ninguém sabe quem é..
Como última e única alternativa, resolve acordar o garoto. Que se chama Bruno e mora no prédio. No décimo andar. Pega o menino no colo e vai entregá-lo aos pais, que provavelmente estarão histéricos pelo desaparecimento da criança.
O garoto vomita no elevador, em cima dos seus sapatos.
Bate na porta. Mais uma vez. E mais uma, a porta se abre na oitava tentativa, quando já estava duvidando que tivesse alguém. Atende uma mulher sonolenta, que te olha como se fosse te matar. Pergunta se o menino é filho dela, ela diz que sim, e indaga porque não deixou que ele dormisse em sua casa. Responde que achou que ela ficaria preocupada.
Depois que a porta se fecha, ainda dá para ouvir a mulher dizendo, que a vizinha do 403 era mesmo muito escrota, nem deixou que o Bruninho dormisse na casa dela.
E ainda tem que limpar o vômito do moleque no elevador...

9 de ago. de 2010

Perfeitinha

Por que as vezes me cobrava tanto que me machucava ao perceber que era apenas humana. Um dia perguntaram qual era meu principal defeito, e riram quando respondi: A busca da perfeição. Mas isso é defeito? perguntaram. Como não? Se por causa disso,esquecia, às vezes, de respirar. Tensa e retesada ad aeternum na ânsia de ser aceita. Morrendo de medo da descoberta da fraude. Pois é, quando cobramos muito de nós mesmas, achamos sempre que somos uma fraude, prestes a ser desmascarada a qualquer momento. 

E era preciso ser inteligente, bem humorada, criativa, multitarefas, tudo ao mesmo tempo agora e sem parar. Por que quando se para, é uma falha. E a falha é imperdoável

Quando errava, ou quando o planejado, se desorganizava todo perante meus olhos, batia uma angústia feroz, ataque de ansiedade desses de colocar saquinho no boca e contar até mil. Vontade de sumir da face da terra, como se todos fossem apontar dedos e falas... Medo...

Demorei a enxergar que não era o outro que me queria perfeita, mas eu mesma que me obrigava a ser o que ninguém poderia ser...

Boazinha demais, disse a amiga, numa critica sincera. É impossível ser tão polyanna assim. Jogo do contente para apagar angústias e tristezas ocultas. Mas por que? Ou pra quê ou quem?

Depois de constatado isso, não anseio mais a perfeição, minto. Tento não querer mais a perfeição. Faço um esforço para aceitar a humanidade carregada de erros que há em mim. 

Planejamentos falham, sonhos são desfeitos, atividades saem errado... Mas nada disso muda àquela quem sou. E se não sou como você pensa, hoje não quero mais me adaptar, apenas te digo adeus e vou embora, porque, sinceramente, eu sou exatamente do jeito que posso ser.  

8 de ago. de 2010

Sobre Pais e Escolhas

Quando eu era pequena e tinha festa na escola por conta do dia dos pais. Enquanto todas as crianças se concentravam em montar porta-retrato de macarrão, normalmente eu era consoladas por tias muito doces, que se penalizavam com a pobre menina órfã de pai.

Um dia, minha mãe descobriu o porquê de tanta solicitude. Eu dizia pras tias que meu pai havia morrido. Na verdade, contava toda uma longa história, que culminava com a morte heróica dele. Acho que ali já exercitava minha veia de contadora de causos, que depois, viraria letras no papel.

A verdade é que meu pai não tinha morrido, se bobear está vivo até hoje. Mas, a forma que eu encontrei de lidar com a realidade de um pai que nunca me quis, foi usar a criatividade e construir um pai fictício que morria e ponto.

Dia dos pais sempre foi uma data complicada para mim.  Durante muito tempo, sofri tentando entender esse pai que nunca fora, até perceber exatamente isso, eu não precisava de um pai que me aceitasse, precisava era me aceitar, apesar desse pai. Não era culpada por separação, nem por ele não me querer. 

O ex-bbb Max Porto (oi @fernandareali) disse que o dia em que ele reencontrou o pai, não sentiu nada, nenhuma emoção, como aparecem nesses rencontros de tv. Pois eu o entendo como ninguém, quando finalmente tive acesso a esse pai, percebi que era apenas um estranho. O meu pai interno era muito melhor do que o real que me apresentaram.

E talvez por isso, sempre tive medo de cometer o mesmo erro que minha mãe, embora ela não tenha culpa nenhuma e nessa vida, sempre foi pai e mãe. Mas, eu morria de medo de dar um pai ausente pro meu filho. Um pai que o rejeitasse e mentisse para ele a vida toda. Esse era o meu medo secreto.

Até engravidar e descobrir que nem sempre pais são figuras que rejeitam. As vezes eu paro e fico olhando os dois brincando e ouço do meu pequeno a frase que é sua forma de falar sobre o pai: "ele é meu amigo e meu pai".  Eu me sinto tão feliz.

Por isso, hoje ao ver meu filho acordar e pular sobre o pai desejando Feliz Dia dos Pais, e ver o pai, tão feliz, tão encantado de vivenciar esse dia com ele. Soube finalmente que não haveria mais necessidade desse medo. Meu filho tem um pai. O melhor do mundo, a melhor pessoa que eu poderia escolher para ele.

5 de ago. de 2010

A Descoberta

por Patricia Daltro

- Eu já sei de tudo. – ele afirma, olhando fixo para a esposa. Que quase engasga com o cafezinho.

- Sabe de tudo, o quê, Homem de Deus!?

- Não adianta ficar ai disfarçando. Eu sei que vocês estão juntos! – enquanto fala, caminha nervosamente até o outro lado da sala, aonde pega um pesado vaso de cerâmica.

- Claudionor, larga essa vaso! E me explica o que está acontecendo. – Por via das dúvidas, ela resolve se levantar e tentar chegar perto do telefone, por que fora esquecer o celular no quarto?

- Eu, junto, com quem?

- Você sabe bem do que tou falando! Você e todos os outros estão mancomunados!

- Eles? Amorzinho, você quer uma maracujina? Um chá de camomila? Olha, eu faço rapidinho!

- Vocês se achavam muito espertos, mas ontem... ontem eu descobri tudo!

A esposa nessa hora, já não tem mais dúvida, era caso de internação. O pior é que de maluco não aliviam dívidas, e eles estavam bem encrencados financeiramente. Ela desempregada, ai, ai...

- Claudionor, meu amor, você está muito nervoso, é alguma coisa na empresa?

Ele agora examina o vaso meticulosamente, de repente, brande o vaso no ar, apontando para a esposa, que se encolhe perto da porta.

- Aqui está a câmera! Pelo menos uma delas, eu sabia! Era por isso que você não queria que eu me desfizesse do vaso, não era?

- Clau, esse vaso foi a tia Adelaide que deu, sabe que ela sempre pergunta por ele, quando vem aqui. PelamordeDeus não me quebra isso, senão aquela velha vai me encher o saco!

- Tia Adelaide! tia Adelaide é o escambau! Eu sei bem que isso é coisa da emissora!

- Emissora, Claudionor? – não restava a menor dúvida, era caso de internação.

A esposa choraminga, pensando em como explicar pros filhos a loucura do pai... Ele não poderia ter morrido, no lugar de enlouquecer? Ser viúva de marido vivo é pior do que ter enterrado um!

- Agora eu sei que nada disso é real, Que eu sou um personagem de ficção, de um seriado qualquer...
Larga o vaso sobre a mesa, e cambaleia até o sofá, onde desaba.

- Todas as coisas que aconteceram... Tudo obra da cabeça de um roteiristazinho qualquer de uma série cômica, Lindalva! – Gesticula nervoso – se fosse pelo menos uma série dramática! Um documentário... Melhor seria que fosse um filme, super-produção hollywoodiana, mas não! Tinha que ser de uma série cômica, e ainda por cima, nacional!

- Olha só, algumas séries cômicas nacionais são boas... – ela começa, mas é interrompida pelo choro agudo do marido.

- Eu devia ter desconfiado, devia... Ninguém ganha um microondas cheio de baratas francesinhas de presente de casamento! Você lembra disso?!

- E como eu iria esquecer?! Foram necessárias três detetizações para aquelas malditas sumirem daqui de casa! Mas, o que isso tem a ver?

- Teve também aquele dia que perdi o cartão no banco?! Eu tinha ido buscar o cartão e a gerente perdeu ele na hora em que ia me entregar! Nãaaao, isso não é coisa de realidade, nada! É coisa de seriado... e eu vou lhe falar uma coisa, Lindalva, coisa de seriado ruim!

- Mas... mas

- E o assalto?! Como você explica o assalto!

- Muita gente é assaltada...

- Por travestis?! Lindalva, você já leu em algum jornal sobre uma gang de travecos que assaltam transeuntes?

- Na verdade, não né?

- Eu tô lhe falando mulher! É tudo ficção! E você? Não adianta ficar ai, com essa cara! Eu sei bem que você faz parte do esquema! Sua... sua... sua atriz! Foram tantos os sinais, e eu burro, não via... Que mulher que chora por que queimou um assado? Fala a verdade, agora mulher, você fingia, não é? Todas as vezes, Linda? Nesses anos todos de casamento, teve alguma vez que você não fingiu?

- Claudionor, pelamodedeus, eu vou lhe pedir, para parar, se for alguma brincadeira. Você está me assustando!

- E nossos filhos?! – ele levanta bruscamente, caminhando até a estante, onde pega uma foto onde estão os três filhos! - Todos eles são atores?! Nenhum deles é meu filho de verdade? ! O Junim não! O Junim tem que ser meu filho! Ele é igualzinho ao meu pai. – ele cai no chão de joelhos, as mãos melodramaticamente erguidas, em súplica, em direção a esposa – meus pais?! Eles... eles também são atores? A empresa! Adalberto, meu chefe! Dona Josefa, da faxina... tudo uma farsa....

- A gente já ganhou um prêmio...

- Heim?! – ele para de chorar e a olha. Lindalva sai de perto da parede, senta na poltrona.

- Pode pegar um cigarro para mim? Terceira gaveta a esquerda.

- Você fuma?

- Só nos intervalos das gravações.

- Então... então?! – Claudionor abre a gaveta e é visível o susto ao se deparar com o maço. Meio em transe, entrega para a esposa, que pega um cigarro, acende e numa cruzada de pernas, continua:

- É, você descobriu tudo. Você é um personagem de ficção, eu sou atriz, todos ao seu redor são atores, até o Junim...

- Até o Junim?! Quem diria...

- Pois é, mas a série é boa, já ganhou prêmios, como eu ia dizendo...

- Prêmios? Mais de um?

- Quatro, para ser mais especifica. Direção, Roteiro adaptado, melhor ator e melhor atriz coadjuvante. Foi o único prêmio que ganhei até hoje, mas já fui indicada várias vezes.

- Melhor ator? Eu ganhei um prêmio?!

- É, foi por aquele episódio do médico... Que você tentou matar o cara!

Claudionor senta no braço da poltrona, pega um cigarro do maço, acende, dá uma tragada e uma tossida, sacode a cabeça... Não sabe como alguém pode gostar daquilo, mas naquele momento, parece ser o que precisa.

- É, realmente merecia um prêmio... Fiquei mais de doze horas na fila do hospital público, e o filadaputa do médico, sem me examinar, me mandou para casa, dizendo que não era caso de emergência...

- Você tava com o dedão do pé quebrado, não era?

- Tava. Quebrei, quando a privada caiu em cima do meu pé. Eu tava tentando desentupir, tive que tirar o vaso do lugar e foi merda pra tudo quanto era lado, eu escorreguei e privada caiu em cima do meu pé...

A mulher suspira, enquanto apaga o cigarro.

- Grande episódio, grande episódio... Um dos melhores...
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Texto republicado em virtude da novidade boa, em breve esse texto virará um curta! Aos poucos conto tudo sobre a novidade por aqui.

1 de ago. de 2010

Uma Receita Feita de Lembranças

Pois hoje eu resolvi mandar a dieta pra casa do cara...mba e fui para cozinha! Almoço fiz lasanha com tudo que tinha direito (tá, disfarcei colocando berinjela no molho)  e após essa orgia, quis, é claro, arrematar com chave de ouro, com  uma sobremesa digna do almoço.

Mas, numa casa em contenção financeira e em dieta, claaaro, que não tinha nada para fazer um doce daqueles de enfiar o pé-na-jaca, ou melhor, eu achava que não, pois catando aqui e ali na net, me deparei com o blog Receitinhas e Frescurinhas, e uma receita de doce de leite com leite em pó, açúcar e margarina, ingredientes que tinha em casa.  Catei a receita, diminui proporções, porque sabe como é, menos é mais...
Então, fui lá e misturei numa panela : 2 xícaras de açúcar, 1 xícara de leite e 1 xícara de água, bota no fogo e  mexa sem parar durante 20 minutos.

Ai, o bicho pegou, 20 minutos com a barriga no fogão, parada, como assim? Eu, ultimamente, não paro, e cada minutinho é um tempo precioso... Mas, a receita exigia, e eu fiquei. E de repente, veio a lembrança da Iaiá, minha bisavó. Há tempos não lembrava dela de maneira tão intensa. Era assim que lembrava dela, pequenina, encostada no fogão de lenha, mexendo o doce de leite no tacho. Ela fazia com o leite tirado da vaca, que o filho trazia, numa vasilha de cobre, tão pesada, que ela se curvava toda, para derramar o leite na panela. Jogava o açúcar, e mexia, mexia, por minutos infindáveis, e eu ficava ali, pelo menos uma vez a cada 15 dias, sentada no banco comprido daquela cozinha enorme, comendo bolo de fubá e ansiando pelo doce maravilhoso que ela estava fazendo.

Lembro do cheiro inundando tudo, da voz determinada, a autoridade residia ali, naquela mulher pequena (engraçado, que mesmo quando criança, onde o mundo parece tão gigantesco, Iaiá era um mulher pequenina aos meus olhos), mas de um força e ditados descomunais. 

Nascida durante o período da escravidão, mandava a minha mãe de pele morena, tomar banho de leite, para ficar clara e a mim, alisar a ferro os cabelos crespos... mas, no entanto, dona de uma generosidade e doçura impressionante. Criou sozinha os 11 filhos, o marido morrera cedo, ainda com os filhos pequenos. Administrava a casa, o sítio, a família, com um rigor militar. 

Umas das mais recentes lembranças, a última dela ainda ativa e consciente, após um tombo, onde por pouco não fraturara o braço, os filhos e netos discutiam na sala, quem iria ficar com ela.  No auge da discussão, Iaiá se levanta, pega minha mão e ordena, vem menina. Eu a segui até a cozinha, ajudei com o leite, não mais tirado da vaca, agora comprado no mercadinho próximo, o açúcar e a manteiga, coloquei tudo ao seu alcance e me sentei no meu lugar de sempre, onde a observei misturando tudo e indo ao fogo, não mais o antigo fogão de lenha, mas um moderno fogão quatro bocas que ganhara de um dos filhos, tão curvada, tão velhinha no auge dos seus 90 anos. E enquanto ela mexia o doce, a ouvia resmungar, que não iria embora nada, que não era criança, que era absurdo quererem tirar ela da casa que era dela, dela! 

Não, ela não falava comigo, apenas resmungava sozinha, revoltada demais com todo aquele absurdo. Achei que chorava, nunca tive a certeza. Iaiá nunca demonstrara fraqueza e chorar era fraqueza para ela. Terminado o tempo, despejou tudo no pote e finalmente me enxergou. Eles não sabem que eu estou viva, menina?

Quando a vi de novo, em Campos, na casa de uma das filhas, para onde fora levada depois de mais um tombo, onde fratura a bacia. Estava fazendo 102 anos. Presa numa cama, mas com os olhos mais lúcidos que nunca, comemorou com os filhos, netos e bisnetos seu último aniversário. 

Aquele foi seu último ano de vida na terra, mas a lembrança dela, sempre me invade ao comer doce de leite. E hoje, ali, mexendo o doce na panela, naqueles infindáveis 20 minutos, senti sua presença de uma maneira tão intensa... 

O doce espera o tempo necessário para esfriar, não sei se vai ficar bom, ou melhor, independente de ficar bom ou não, esse vai ser o melhor doce de leite que comi ultimamente, por que vem recheado de lembranças...